Covid-19 dá trégua no Rio, e especialistas buscam explicações
O coronavírus já não circula com tanta potência, mas ainda está longe de desaparecer do estado fluminense. Resultados preliminares de uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Laboratório Central Noel Nutels e do HemoRio revelam que a prevalência da infecção diminuiu, mas especialistas dizem que ainda é cedo para saber o que acontece no Rio, e alertam para o risco de o coronavírus se tornar endêmico.
Há pelo menos três hipóteses, não excludentes, para explicar a redução de casos. Uma é a que o Rio foi uma das portas de entrada do vírus no país, que circulou por aqui com muita intensidade e já teria infectado mais gente do que os números mostram. Outra é que ele teria se tornado menos virulento. Uma terceira possibilidade é que a pandemia pode ter perdido um pouco de fôlego porque, como muita gente suscetível foi infectada, o coronavírus começa a encontrar mais pessoas com imunidade inata. Nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da capital, segundo a pesquisa, a prevalência de infecções é de 8%.
— Os resultados mostram que houve queda no número de casos na capital, mas o vírus continua a circular muito. Ele não foi embora. Os números nos dão um indicador bom de tendência da pandemia — destaca Amílcar Tanuri, coordenador do trabalho, o professor titular de virologia e chefe do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, que tem realizado estudos pioneiros sobre o coronavírus. — A tendência, até este momento, é de que o coronavírus se torne endêmico e cause surtos menores. E isso só vai terminar, com segurança, quando tivermos uma vacina — afirma Tanuri.
Para investigar a hipótese de que o Sars-CoV-2 em circulação agora é menos agressivo, o Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ pretende analisar o genoma do coronavírus em circulação no início da pandemia no Rio, em março. O objetivo é depois compará-lo com o isolado de amostras coletadas recentemente.
No início, dez vezes mais
As taxas do novo estudo são altas, ainda que representem uma redução significativa em relação ao ápice da pandemia, quando chegou a quase dez vezes mais nas UPAs da capital, entre o fim de abril e meados de maio. No interior do estado, a média de infecção nas UPAs é de 18%, considerada muito elevada.
Em 1º de maio, o estado registrou 3.445 casos novos (data do início dos sintomas). Nesta quarta-feira, o Rio contabilizou 1.627 novos casos de Covid-19. A título de comparação, em 21 de maio, o município chegou a registrar 2.535 casos novos (por data de notificação). Hoje, o número de casos no município (média móvel) é de 495.
As UPAs são o coração do SUS, o termômetro mais preciso da intensidade da pandemia. Por isso, foram escolhidas para a amostragem. O estudo foi realizado com exame de PCR, que tem mais acurácia e detecta infecções ativas. Os 8% de resultados positivos estão longe de serem um percentual baixo, explica Tanuri. A título de comparação, Chicago, nos EUA, que viu os casos de Covid-19 voltarem a subir na última semana, tem 2% de infectados.
A força do estudo está na amostragem significativa: 500 testes em dez UPAs da capital e 1.200 em 15 municípios do interior. Além disso, para oferecer um retrato mais preciso, os testes foram realizados em pessoas que procuraram as UPAs, porém não tinham necessariamente sintomas suspeitos de Covid-19.
Enquanto Chicago faz 40 mil testes por dia, o Estado do Rio de Janeiro, de acordo com Tanuri, realiza cerca de 2 mil. Os EUA testam 500 mil pessoas por dia; no Brasil, não passam de 10 mil. A ideia é repetir os testes nas UPAs a cada 15 dias.
— Não temos testagem em massa, então medir a tendência é essencial — observa.
A pandemia mostrou que vírus, seja o coronavírus, o H1N1 ou o zika, são um problema grave para estados populosos como o Rio de Janeiro. Mais do que nunca, laboratórios de segurança, como o da UFRJ, são extremamente necessários. O problema é que o país não tem nenhum de nível quatro, o máximo em biossegurança. E os de nível três, caso do laboratório coordenado por Tanuri, são escassos e sobrecarregados, funcionam sem interrupções 24 horas por dia.
Além disso, o Rio, diz Tanuri, corre o risco de perder para São Paulo os recursos federais para a instalação de um laboratório quatro, essencial para o estudo de vírus perigosos.
O laboratório de Tanuri tem segurança suficiente para estudar o Sars-CoV-2 mas, por ser pequeno, está sobrecarregado. Nos primeiros meses da pandemia, os cientistas paralisaram estudos para fazer a testagem de profissionais de saúde. Agora, começam a retomar o trabalho, e buscam conhecer o perfil da Covid-19 no Rio e no Brasil. A despeito dos 30 mil estudos publicados no mundo sobre o coronavírus, ele permanece, em boa parte, desconhecido. Uma das coisas que se sabe, porém, é que condições demográficas são importantes em variações no espalhamento e na apresentação da doença.
— Parte do conhecimento, por exemplo, na Itália ou na China, pode não se adequar à nossa realidade. Precisamos ter estudos voltados para a nossa população — diz Tanuri, um dos poucos no mundo com experiência no combate às pandemias de HIV, H1N1, ebola, zika e febre amarela.
Fonte: O GLOBO
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