André Uebe – O espaço de cada um
Administrador, Professor, PhD
Desde a década de 1990, quando a internet surgiu no Brasil, as relações sociais e interpessoais têm sido reinventadas com uma frequência muito maior que até então. Estas reformulações originam-se, também, pelo surgimento de novas tecnologias digitais que possibilitam novas formas de diálogo. Um exemplo destas novas ferramentas são os grupos de bate-papo digitais, muito acessados via dispositivos móveis, como telefones celulares.
Em 09 de outubro de 2009, o Wall Street Journal, um periódico jornalístico da cidade de Nova Iorque, EUA, publicou um interessante artigo de Jessica Vascellaro intitulado Why Email No Longer Rules…, na qual ela anunciava a praticamente nove anos atrás, que os e-mails seriam substituídos por outras formas de comunicação digital. Na época, este prenúncio pareceu um pouco utópico, mas eis que em nossa atualidade, isto não parece ser tão absurdo assim. Apesar de ainda sobreviver como forma de comunicação assíncrona, o fato é que se alguém quer praticidade no encaminhamento de mensagem, preferirá opções como os grupos de mensagem instantânea como o Telegram, Whatsapp entre outros ao tradicional email
Estas ferramentas de mensagem síncrona (em tempo real entre os dois interlocutores) começaram acanhadamente sua existência, como um subserviço dentro de outras plataformas, como uma sala de chat dentro de um serviço de e-mail, por exemplo. Apesar de sua origem não ser recente (quem se lembra dos serviços de Internet Relay Chat como o mIRC, por exemplo), a consolidação deste serviço só ocorreu mais recentemente com a simplificação e reformulação do conceito e do processo das salas de bate papo (chat).
E neste contexto, foi possível identificar algumas situações recentes que evidenciam bastante a maneira de ser das pessoas. É sabido que o Brasil passa por uma crise não só financeira, mas também moral. Quando uma crise surge, não significa que suas causas são atuais. Significa que suas consequências são atuais. Logo, os comportamentos de hoje são reflexos das culturas, hábitos e atos de ontem. Assim, quando se começam os justos reclames contra políticos e partidos, precisamos ter a consciência que estes são o espelho da sociedade. E foi o fato a seguir, ocorrido nos grupos digitais de chat, que me permitiu ter uma melhor comprovação desta ideia.
Recentemente, participando de um grupo do whatsapp cuja a finalidade é debater assuntos de bike e agendar passeios ciclísticos, deparei-me com o reiterado desrespeito de alguns colegas participantes, que insistiam em enviar mensagens alheias ao tema do grupo (mensagens off-topic), mesmo diante do insistente pedido dos administradores do grupo para que tais postagens não ocorressem. Estas postagens, os denominados spams são relacionados a assuntos que geram polêmicas (por se tratarem de religião, futebol, política etc) e, portanto, são evitados no grupo. Apesar dos insistentes pedidos, as postagens continuaram até que fez-se necessário uma abordagem mais invasiva de pedido, ao participante para se portar devidamente sob o risco de ser excluído do grupo.
Daí me veio a reflexão de que, estes mesmos indivíduos que adotam uma atitude predatória quanto a própria empatia, promovendo desarmonia no grupo por postar spams off-topic, além de explicitamente desrespeitar as normas do grupo amplamente divulgadas, são os mesmos que acusam os políticos de falta de respeito e empatia. Políticos este que numa escala mais ampla lesam a macro sociedade, por lidarem com a coisa pública.
E daí, pergunto-me se estas pessoas não conseguem perceber que a falta de respeito e empatia delas é a mesma, só que em uma escala menor por se tratar de uma micro sociedade (o grupo digital de chat). Ou seja, tudo no final das contas são hábitos historicamente acumulados e que refletem em crises e problemas no presente, independente se o contexto é a sociedade ou um grupo de bate-papo online.
No caso dos políticos, hábitos que se refletem nos ditos desmandos decorrentes de um modelo de Administração Pública Patrimonialista, aliada a uma tradicional corrupção e impunidade endêmicas ao nosso país. No caso dos spammers, uma prática de imposição de ideias por se verem como donos da verdade, ou simplesmente não verem qualquer verdade, a de que existem pessoas a sua volta que não compartilham com as mesmas opiniões mas, nem por isto devem deixar de ser respeitadas.
Ética, respeito, cidadania. Será que são valores que só vale a pena serem seguidos e praticados no macro contexto social da política? Ou também no micro contexto social das nossas relações diárias com o nosso próximo? Vale a reflexão.
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